sábado, agosto 23, 2008

Regressámos há 37 anos.

Todos

Faz hoje, dia 23, trinta e sete anos que desembarcámos em Lisboa regressados de uma campanha de dois anos vividos sem sentido. Mas regozijamo-nos, nós os da Companhia de Caçadores 2544, de termos regressado todos.

Esclareço o parágrafo anterior: em bom rigor, não foram desprovidos de sentido os anos que vivemos (no Lumege... no Forte República... Também no Luso e Malange no que me toca a mim...). O que não teve sentido, foi a missão que nos impuseram cumprir. Porque existiu sentido de facto na nossa vivência por ali. Existe sentido na vida, quando a vida se sente; se vive. E nós vivemos a vida, durante aqueles dois anos, criando laços de camaradagem que hoje perduram e se celebram anualmente, criámos climas de convivialidade com as populações, de que é exemplo o texto que abaixo se reproduz. Escrito por uma Adelaide que presentemente vive em Fátima, fora nascer ao Luso filha de um casal de habitantes do Lumege e ali regressou com meses para só vir embora aos sete anos, em 1966. É prima do senhor Costa, que já completou um século de vida e vive salvo erro em Mindelo (Vila do Conde). Senhor Costa de quem já aqui publicámos fotografias e textos a referenciá-lo.

Também não esquecemos a história da Fernanda Brásio, relatada profusamente aí para baixo.
Igualmente tivemos aqui a surpresa do reencontro virtual com o Senhor Videira do Cameia Bar.
Se estas pessoas se reencontram aqui connosco, partilhando connosco as emoções da saudade, então é porque a nossa passagem por Angola não foi em vão. Não foram dois anos perdidos, foram dois anos vividos. Em tranquilidade, porque fomos comandados por um capitão que, poucos dias depois da nossa chegada, definia, durante a bica do almoço tomada no bar Cameia, o essencial da nossa missão: regressarmos todos.

E regressámos. Todos. Faz hoje 37 anos.

José Oliveira


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Memórias do Lumege
E a história que vos queria
contar é a seguinte...

Texto de Delay
(Dedicado a seu primo, o Sr. Costa, que já completou cem anos)


Um dia, esta menininha viveu os mais lindos dias de sua vida... de sua infância... numa terrinha lá nos fins de África... uma terrinha que tinha por nome Lumeje, em Angola... terra linda, pequenininha, vermelha de chão, verde de matos e jardins, coberta por céu azul, que se transformava ao final do dia em cores de fogo, quente, lindo, de um pôr do sol mágico... anoitecia banhada por reflexos de uma lua quase bandida, que me embalava no meu nanar de criança... e me enfeitiçava embrenhando-me em sonhos... e em sonhos reais acordava...

acordava entre essências de flores, essências de croeira, montinhos de pedacinhos brancos ressequidos, que pareciam montes de neve vistos ao longe... acordava com o apitar do camacove que ressoava lá bem longe... e o mala que ressoava bem juntinho de mim... de meus pensamentos de criança... voando na minha imaginação no soar do apito e no embalar do comboio... que adorava... olhar... ver chegar e partir... lá naquela estação de tantos sonhos descidos e outros tantos partidos... idos... jamais por mim esquecidos...

Fui feliz a cada despertar... fui feliz a cada caminhar... fui feliz a cada embalo de baloiço em seus jardins, lindos por certo... fui feliz em cada passear com minhas primas... fui feliz em cada miminho recebido de um Padre que não esqueço de seu nome (Estêvão) por certo meu vizinho lá...Fui feliz, e principalmente no colinho de um Primo muito especial... que não esquecerei jamais... seus mimos, sua preocupação, suas brincadeiras... o Pexão (o nome por mim utilizado para carne, peixe) que ele nas suas mercearias dava para a Laizinha cozinhar nos seus tachinhos... Não esqueço quando ele me dizia que eu tinha um pau nas pernas... a brincar e para me irritar... não esqueço quando ele fazia que me arrancava o nariz e me punha à procura dele... não me esqueço... não me esqueço... tanta coisa...detalhes que me marcaram... e que recordo com tanta saudade... não me esqueço... não me esqueço...


Desta pessoa que para mim, foi como o meu pai naquela etapa da minha vida... Mas também nunca lho disse... e por isso estou aqui, e feliz por lhe fazer esta pequenina homenagem... a este senhor que vim descobrir que aqui se falava dele...
Meu primo Costa... há muito que lhe quis dizer tudo isto, mas distanciámo-nos e a vida por vezes tira-nos as chances de dizermos o que nos vai na alma... ou calamos porque pensamos que não é necessário que a outra pessoa saiba o que nos vai na alma...


Mas outras vezes, creio que é os jogos, que o tempo nos prepara...
Tudo tem o seu tempo certo, e acho que este foi o escolhido pelo Universo para eu dizer o quanto foi importante nessa etapa da minha vida... foi tão importante que e passados 45 anos lembro cada detalhe, cada gesto, cada carícia, cada palavra, cada sorriso... que tanto me aconchegaram... Obrigada por tanto que me deu...

Contudo não vou aqui esquecer de falar na minha prima Nini, sua esposa, nem poderia, já que a prima Nini foi sempre o sorriso aconchegante para todos os que recebia em sua casa... e para mim, e desculpem todas as outras primas, foi o meu afago bom, porque lembro como me afagava com tanto carinho...
Que lindos 100 anos de vida, Primo Costa... 100 anos de sabedoria... e mais que tudo 100 anos de carinho tão doces, distribuídos a todos os que têm a felicidade de ao seu lado estar...



Lembra-se de mim?
Fico à espera de uma resposta, pois sei que alguém a irá ler a si...
Esta é parte da história de uma menina que, apenas com semanitas de idade, foi para o Lumeje e lá viveu feliz até os seus sete anitos de vida... e que hoje em sonhos revive cada detalhe daquela cidadezinha como se por lá deambulasse pela calada da noite mas com coloridos de dia...
Mas lembro de muito mais coisas e de muitas mais pessoas que logo falarei delas noutra histórinha...
Beijinhos de ternura especialmente para si e prima Nini... e beijos a todos os outros primaços(as)


Lay

(ou Lay-Lay... não é, primo Costa?)

quarta-feira, agosto 20, 2008

"Sangue na Picada"
Próximo Domingo

em Alcobaça

Foi cartoonista e jornalista. Fundou em Luanda o semanário A Palavra na altura el que estávamos no leste. Desenhou e escreveu no jornal satírico O Miau (Luanda)
Viveu a experiência da Guerra Colonial em Angola e conta "tudo" no seu livro "Sangue na Picada".

No próximo Domingo estará em Alcobaça para uma sessão de autógrafos.
Para saber horas e local, visitar o blog do autor em
http://travessadoferreira.blogspot.com

A seguir contamos mais sobre o autor e o livro.


Ler mais acerca da sua veia humorística em http://chavedoburaco.blogspot.com/

sábado, agosto 16, 2008

O livro de Antunes Ferreira
Os dois lados da guerra
Texto: José Oliveira

Já não me lembro como é que tomei conhecimento da edição de Morte na Picada, que aqui divulguei antes de ter lido.

Depois dessa divulgação, acabei por estabelecer contacto com o autor, Antunes Ferreira, que conhece "as mesmas pessoas" que eu. Mas isso é conversa para outra altura.

Para surpresa minha, foi-me fácil adquirir o livro. Comprei-o no Continente, embora seja daqueles que preferem comprar livros nas livrarias tradicionais. E fui-me à leitura. Faço parte daquele grupo de leitores que têm três ou quatro livros na mesa de cabeceira, mas este não intercalou com mais nenhum! Foi lido de fio a pavio. Constituído por um conjunto de contos (relatos?) de meia dúzia de páginas cada, é, como diz Joaquim Vieira, "uma curiosa combinação de ficção e testemunho, deixando ao leitor, se o entender necessário, a tarefa de destrinçar uma coisa e outra".
Sem rodeios de linguagem ou enredo, estes mais de trinta textos poderiam ser relatos verídicos de episódios ocorridos, porque os houve tal e qual assim, repetidos, entre 1961 e 1974. Mas Antunes Ferreira não chega a chocar-nos com as notas de realismo que imprime à prosa, porque sabe "cortar os planos" a tempo. Ou intercalar notas de humor que desdramatizam no momento certo. Aliás, só a meio do livro, e depois de me ter dado ao trabalho de uma "investigação" quase policial (mas não terminada ainda...) é que me dei conta de estar perante um jornalista que também passara pela carreira de autor de textos satíricos.

É certo que não li muitos livros de ficção sob o tema guerra colonial. Mas já li alguns (inclusivé um em original, por sinal muito bom), e é a primeira vez que me deparo com relatos que ficcionam os dois lados do conflito bélico. E com uma verosimilhança tal, que ficamos finalmente a conhecer, tantos anos depois, como funcionava "o outro lado".

Escreveria muito mais, mas contenho-me. Porque sei que, neste género de suporte, "ninguém" lê postagens longas. E eu quero que me leiam esta prosa. Para que leiam o livro e o recomendem. E saliento isto, em abono da minha isenção: não conheço pessoalmente o autor.

clicar na imagem para ampliar

Quem junta papéis velhos tem frequentemente gratas surpresas! (...e a mulher a azucrinar-lhe a cabeça!...).

Quando em 1970 (mais um ano, menos um ano) guardei o suplemento satírico O Lacrau do número de 1º aniversário do jornal angolano A Palavra, estava longe de imaginar que estaria hoje aqui a usar esta caricatura de um dos responsáveis do semanário luandense, a ser desenhada pelo Nando, aliás Fernando Gonçalves (criador do inesquecível Zé da Fisga que todos recordamos das páginas da revista Notícia, embora tivesse nascido no jornal O Miau em 25/11/64). O Nando é hoje violinista na orquestra do casino da Póvoa de Varzim e o caricaturado é exactamente Antunes Ferreira, o autor de Morte na Picada.

Nota um: Antunes Ferreira assinava com o pseudónimo Mutamba Shmit divertidos textos satíricos em O Lacrau. E tem no seu curriculum um passado como cartoonista (ele escreve cartunista).

Nota dois: Colocando-se na pele de um outro narrador, o próprio Antunes Ferreira escreve assim no seu Morte na Picada: "(...) Nisto tudo pensa João Caxiné, preto cafuso, natural de Benguela, admirador do mulato Aires de Almeida Santos, poeta entre os poetas, preso uns anos em São Nicolau, solto depois, agora jornalista de "a Palavra" do Renato Ramos e do gordo, o Antunes Ferreira."

Nota três: O Nando é cunhado do Castro Lopes, que foi furriel miliciano na CCS do nosso Batalhão. Na confraternização da CCS no ano passado, em Esposende, tive a oportunidade de abraçar o criador do Zé da Fisga, que foi beber um copo connosco no final do almoço. Mas disso falarei um dia destes.

Nota quatro: A montagem da foto de Nando sobre a sua caricatura de Antunes Ferreira foi reorganizada por nós, pois no desenho original figuram 15 caricaturados.

Z.O.

sexta-feira, agosto 15, 2008

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Finalmente!

Lisboa, Agosto de 1971


Entre esta multidão, estão os nossos familiares que nos esperavam em Agosto de 1971 na Doca do Conde de Óbidos.

É uma imagem colhida do alto do Vera Cruz, momentos antes de termos começado a desembarcar.

A foto foi recolhida no blog http://bcac2877.blogspot.com, depois de amavelmente nos ter sido chamada a atenção para ela (e texto acompanhante) pelo camarada Brás Gonçalves do B.Caç.2877, que embarcara connosco em Luanda no Vera Cruz, a 11 de Agosto de 1971. Também na ida tinham sido nossos companheiros de viagem.


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O Vera Cruz

Texto: José da Silva Marques

(www.vianasocialecultural.com)

Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império. Mais de 90% da carga e de 80% do pessoal metropolitano empenhado na guerra, tinha sido transportado em navios. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíje. O Niassa foi o primeiro paquete fretado como transporte de tropas e de material de guerra, por Portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar treze num ano. Em 1961, efectuaram-se dezanove travessias em nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que crescia a força expedicionária em África.
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A sua imponência e beleza como navio de linhas elegantes eram motivo de registo

O Vera Cruz, antigo paquete de luxo, fez a sua primeira viagem inaugural ao Rio de Janeiro em 1952. Com lotação esgotada, entre os muitos convidados encontrava-se o Almirante Gago Coutinho. Em 1954, juntamente com seu irmão gémeo, o paquete Santa Maria, iniciou a sua carreira com ligações aos portos da América Central. Em qualquer um que atracava era motivo de interesse.
A sua imponência e beleza como navio de linhas elegantes eram motivo de registo. Mantendo as viagens regulares ao continente americano, o Vera Cruz em 1956, realizou um périplo por África de oito de Agosto a 29 de Setembro. Só em 1959 é que realizou a sua primeira viagem a Angola. Com o início da guerra colonial nessa colónia, o governo de Salazar para fazer frente aos acontecimentos, requisitou diversos navios para o transporte de tropas e material de guerra, passando a ser uma das principais ocupações dos navios portugueses. O Vera Cruz não foi excepção. Adaptado para o transporte de tropas, com a instalação de alojamentos nas cobertas, a 5 de Maio de 1961, largou de Lisboa rumo a Luanda tendo no mastro principal hasteada a flâmula verde e encarnada, habitual nos navios de guerra. Em 1962, o Vera Cruz é requisitado para se deslocar ao Paquistão com o fim de recolher os militares feitos prisioneiros, devido à invasão da Índia Portuguesa pelos indianos.

Largou de Lisboa rumo a Luanda, tendo no mastro principal hasteada a flâmula verde e encarnada

Estava ali imponente atracado no Rio Tejo para mais uma missão que a guerra lhe destinava, embarcar tropas para o ultramar. Seria das últimas viagens que faria, pois em 1972 seria vendido para abate desaparecendo um dos símbolos da Guerra Colonial.