Os dois lados da guerra
Texto: José Oliveira
Já não me lembro como é que tomei conhecimento da edição de Morte na Picada, que aqui divulguei antes de ter lido.
Depois dessa divulgação, acabei por estabelecer contacto com o autor, Antunes Ferreira, que conhece "as mesmas pessoas" que eu. Mas isso é conversa para outra altura.
Para surpresa minha, foi-me fácil adquirir o livro. Comprei-o no Continente, embora seja daqueles que preferem comprar livros nas livrarias tradicionais. E fui-me à leitura. Faço parte daquele grupo de leitores que têm três ou quatro livros na mesa de cabeceira, mas este não intercalou com mais nenhum! Foi lido de fio a pavio. Constituído por um conjunto de contos (relatos?) de meia dúzia de páginas cada, é, como diz Joaquim Vieira, "uma curiosa combinação de ficção e testemunho, deixando ao leitor, se o entender necessário, a tarefa de destrinçar uma coisa e outra".
Sem rodeios de linguagem ou enredo, estes mais de trinta textos poderiam ser relatos verídicos de episódios ocorridos, porque os houve tal e qual assim, repetidos, entre 1961 e 1974. Mas Antunes Ferreira não chega a chocar-nos com as notas de realismo que imprime à prosa, porque sabe "cortar os planos" a tempo. Ou intercalar notas de humor que desdramatizam no momento certo. Aliás, só a meio do livro, e depois de me ter dado ao trabalho de uma "investigação" quase policial (mas não terminada ainda...) é que me dei conta de estar perante um jornalista que também passara pela carreira de autor de textos satíricos.
É certo que não li muitos livros de ficção sob o tema guerra colonial. Mas já li alguns (inclusivé um em original, por sinal muito bom), e é a primeira vez que me deparo com relatos que ficcionam os dois lados do conflito bélico. E com uma verosimilhança tal, que ficamos finalmente a conhecer, tantos anos depois, como funcionava "o outro lado".
Escreveria muito mais, mas contenho-me. Porque sei que, neste género de suporte, "ninguém" lê postagens longas. E eu quero que me leiam esta prosa. Para que leiam o livro e o recomendem. E saliento isto, em abono da minha isenção: não conheço pessoalmente o autor.
Quem junta papéis velhos tem frequentemente gratas surpresas! (...e a mulher a azucrinar-lhe a cabeça!...).
Quando em 1970 (mais um ano, menos um ano) guardei o suplemento satírico O Lacrau do número de 1º aniversário do jornal angolano A Palavra, estava longe de imaginar que estaria hoje aqui a usar esta caricatura de um dos responsáveis do semanário luandense, a ser desenhada pelo Nando, aliás Fernando Gonçalves (criador do inesquecível Zé da Fisga que todos recordamos das páginas da revista Notícia, embora tivesse nascido no jornal O Miau em 25/11/64). O Nando é hoje violinista na orquestra do casino da Póvoa de Varzim e o caricaturado é exactamente Antunes Ferreira, o autor de Morte na Picada.
Nota um: Antunes Ferreira assinava com o pseudónimo Mutamba Shmit divertidos textos satíricos em O Lacrau. E tem no seu curriculum um passado como cartoonista (ele escreve cartunista).
Nota dois: Colocando-se na pele de um outro narrador, o próprio Antunes Ferreira escreve assim no seu Morte na Picada: "(...) Nisto tudo pensa João Caxiné, preto cafuso, natural de Benguela, admirador do mulato Aires de Almeida Santos, poeta entre os poetas, preso uns anos em São Nicolau, solto depois, agora jornalista de "a Palavra" do Renato Ramos e do gordo, o Antunes Ferreira."
Nota três: O Nando é cunhado do Castro Lopes, que foi furriel miliciano na CCS do nosso Batalhão. Na confraternização da CCS no ano passado, em Esposende, tive a oportunidade de abraçar o criador do Zé da Fisga, que foi beber um copo connosco no final do almoço. Mas disso falarei um dia destes.
Nota quatro: A montagem da foto de Nando sobre a sua caricatura de Antunes Ferreira foi reorganizada por nós, pois no desenho original figuram 15 caricaturados.
Z.O.
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