As fotos de há nove anos
Vamos reencontrar-nos aqui:
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Há nove anos, mais precisamente a 7 de Junho de 1997, a C.Caç 2544 confraternizava no agradável cenário do Moinho do Rouco, restaurante da proximidasde das Cortes, freguesia de Leiria onde Mário Soares remodelou a casa de seu pai, cujo nome atribuíu à Fundação João Soares. A razão desta menção perceber-se-á aquando da leitura do texto seguinte. Foi escrito na altura, pelo coordenador deste blog, a pedido da Redacção do Jornal das Cortes, que o publicou a 5 de Maio desse ano e simpaticamente ofereceu um exemplar a cada confraternizante.
Reproduz-se aqui hoje, porque se mantém actual.
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Foram à guerra, regressaram todos
- e confraternizam nas Cortes
Quase três décadas* depois, a Companhia de Caçadores 2544 vai reunir-se mais uma vez para recordar antigas juventudes deambuladas pelo leste de Angola (e um pouco pelo norte).
São antigos militares (hoje todos na casa dos quarenta e muitos; o autor destas linhas, que é um deles, vai nos quarenta e onze...*) originários dos 44 cantos de Portugal, que convergirão nas Cortes, no próximo dia 7 de Junho*, para renovar abraços e recordações. A "coisa" decorrerá no Moinho do Rouco, com oportunidade para molhar os pés no Lis enquanto se almoça. (Aqueles que trouxerem condutora, poderão molhar os pés mais à vontade...)
Além dos comes e bebes (pela medida grande...) haverá também uma visita à Casa-Museu João Soares.* Aliás, o Moinho do Rouco tem sido cenário para outras confraternizações similares, sendo do nosso conhecimento que, não há muito,* um desses grupos ali encontrou, por casualidade, o dr. Mário Soares e esposa, que se prestaram a acamaradar uns minutos com os ex-combatentes, sendo fotografados com eles.
Que importância tem isto? Esta: nos anos 60, o dr. Mário Soares foi um determinado lutador anti-colonialista, verberando as injustiças das guerras que travávamos, incansável caminhante das rotas da Europa, por onde viandava com o propósito da denúncia. Porém, hoje,* não se importa de fazer pose para a posteridade que as máquinas fotográficas perenizam, de braço dado com os agentes da guerra que ele tão afincadamente combateu. Porque assume (temos todos de assumir) que os "heroismos do colonialismo, não obstante lamentáveis, são factos da nossa história, equívocos que nos impuseram, realidades de que não temos de nos envergonhar.
Há dias, Carlos Fernandes (fundador do Jornal das Cortes) lamentava que os antigos combatentes de África (designadamente alguns convidados por si) tenham pudor em escrever as suas recordações dos tempos da guerrilha. Serão traumas que o tempo não apagará facilmente, será a inibição determinada por um sentimento de culpa por uma situação que, hoje, se sabe ter sido injusta.
Muitos de nós, que por lá passámos (afinal, quase todos os da minha geração), não fomos formados e informados no sentido de poder entender a injustiça (a ilicitude) da nossa presença possessiva em África. Fomos, bem pelo contrário, industriados na cultura de um nacionalismo pluri-continental desenvolvido por uma dita super-nação chamada Portugal, cuja propalada superioridade não era fácil contestar, quando a maioria da nossa população vivia pacatamente a sua vida rural, sem grande acesso às fontes informativas, aliás acauteladas pelos serviços de Censura, acolitada por um diligente Secretariado Nacional de Informação (SNI).
Foi no próprio teatro das operações que muitos de nós intuímos quão injusta era a nossa presença lá. Ali melhor se compreendia que aquela terra não era nossa. Grandes fronteiras a separavam do nosso chão pátrio: o oceano, a cultura, a própria cor da pepe. Iguais, mas diferentes. Porque, quer queiramos quer não, há fronteiras! Por muitas estrelas que se pintem numa bandeira.
Muitas Companhias de antigos militares se reunem periodicamente nestas confraternizações. Outras nunca o fizeram. Seria curioso averiguar se, para uma situação e outra, não haverá um motivo determinante, porventura assente em comportamentos colectivos que tenham acarretado - mais para uns grupos do que para outros - um traumático sentimento de culpa, inibidor do cariz de festa que estas reuniões comportam. Talvez para alguns seja doloroso recordar.
Não é o caso da CCaç 2544, que habitualmente se reune algures, desta vez nas Cortes. Trata-se de uma unidade que veio tão una como foi: sem mortos, nem feridos. Não obstante ter ido render camaradas numa zona de conhecido belicismo, assinalado com onze mortes na Companhia precedente, que também teve ferimentos em mais de metade do seu efectivo. Números assustadores, para quem chegava. Que, felizmente, não se repetiram. Mérito do comandante da nossa Companhia, capitão miliciano, de Setúbal, apanhado na curva da vida para uma prestação militar obrigatória, que soube desempenhar com inteligente civismo, bifurcado em dois sentidos: a dignidade e a vida dos seus homens, idem das populações nativas.
José Oliveira
*Escrito em 1997
domingo, agosto 27, 2006
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