É já no próximo dia 2, um sábado, que nos reuniremos mais uma vez para celebrar uma amizade que nos une desde os tempos da juventude e nasceu em circunstâncias que não desejámos mas cumprimos, como tinha de ser.
Para a maioria de nós, é a segunda vez que confraternizamos neste local. O cenáruio é convidativo, portanto quem veio da outra vez, voltará de certeza agora. E quem vier pela primeira vez, compreenderá porque digo isto.
O nosso encontro decorrerá num local que tem mais de seiscentos anos de história, no cenário encantador das margens do rio Lis, num espaço que é o aproveitamento escrupuloso de um moinho de água, que continua a fazer farinha em plena sala de refeições, movido pelas águas do rio Lis.
Para saber mais acerca deste paradisíaco local, basta ler as linhas seguintes:
Notícia histórica sobre o
Moinho do Rouco
A notícia histórica mais antiga sobre o Moinho do Rouco remonta a 24 .XI.1364. Nesta data, o rei D. Pedro fez doação a Afonso Esteves , amoxarife de Leiria, “emquanto fose de sua mercê” de metade de “huum moynho que o dicto senhor há a que chamam do Rouco que he na Ribeira das cortes”. Existia pois já antes desse ano. O seu nome, mais usualmente grafado Rouco, mas por vezes também “Ronco” e “Rouco” parece significar um antigo apelido ou alcunha. Já as duas outras versões poderão ser interpretadas como significando, respectivamente, “terra recentemente desbravada” e “sulco em pedra acima do nível do solo”.
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A existência doutros moinhos de água nas imediações das Cortes atesta-se apenas no século XIV. Entre eles documentam-se as moendas da Reixida Cavaleira (1344), do Leal (1383) e da Recura (1385). A actividade moageia na área desta freguesia, contudo, deve remontar à primeira metade do século XIII, época em que se intensificou a exploração agrícola na área peri-urbana de Leiria, assistindo-se ao surgimento de novos focos e povoamento (casais, granjas e aldeias). Cortes afirmou-se como uma das mais prósperas fundações.
...controlo dos impostos
De início, Leiria procurou manter junto do castelo citadino todas as estruturas agro-moageiras disponíveis. Obtinha-se assim um controle mais apertado da sua laboração, ao mesmo tempo que se garantia uma colecta de impostos sobre os farináceos rapidamente vendidos no mercado local.
Maioria dos moinhos era da coroa
Os esforços da colonização da bacia hidrográfica do rio Lis traduziram-se pela predominância das culturas cerealíferas, silvícola e vinícola associadas, em menor escala à frutícola e à produção de azeite. O povoamento do termo acabou por impor uma Maior distribuição dos engenhos moageiros por todo o território, garantindo o abastecimento dos mercados aldeãos e permitindo, ainda, escoar as produções das herdades com vista à sua distribuição nos mercados consumidores.
A coroa real teve um papel motor neste processo. De facto, a maior parte dos moinhos de água do curso do Lis pertenciam-lhe. O caso das Cortes é significativo, porquanto permite verificar esta leitura histórica.
Cobrança de impostos no cerne da questão
A doação de metade do Moinho do Rouco ao almoxarife leiriense, em 1364, procuraria não só premiar um oficial dedicado à recolha do fisco régio, como também garantir uma maior vigilância sobre a produtividade daquele estabelecimento moageiro.
Moinho de rodízio
É possível que, já na Idade Média, o Moinho do Rouco possuísse quatro mós, movidas através do recurso a rodízios de penas. A força hidráulica que os fazia rodar obtinha-se a partir duma pequena represa das águas do Lis. Esta abastecia quatro levadas ou condutas que embocavam em cubos e sèteitas donde a água era ejectada com grande pressão contra as penas, fazendo movimentar a péla ou árvore e elementos associads (lobete, veio, segurelha e mó). Do ponto de vista arquitectónico, o Moinho do Rouco filia-se na tipologia dos moinhos de rodízio mais frequentes no sul de Portugal, em zonas fortemente urbanizadas e com mercados consumidores fortes, revestindo “a forma de grandes instalações, de construção cuidada, e com várias moendas”.
Indústria uni-familiar
O trabalho nestas quatro mós era garantido por uma só família nuclear, que residia no local, posto que a manutenção desta estrutura para-industrial exigisse despesas substanciais. Na segunda metade de Oitocentos o Moinho foi adquirido pela família Charters de Azevedo.
A história contemporânea do Moinho do Rouco apresenta-o como pólo de progresso industrial. Em meados do século XX, o Moinho produzia energia eléctrica suficiente para a iluminação do local. Após um período de decadência, que levou à paralização da sua actividade moageira na década de 1970, esta unidade seria recuperada como restaurante e local turístico. Alia-se, assim, a uma envolvência natural, de extrema beleza, a uma ambiência histórica dum moinho régio com mais de seiscentos anos de história.
Saul Gomes
(Historiador – Professor da Universidade de Coimbra)
Inter-títulos da responsabilidade do blog 'Lumege'
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