domingo, agosto 27, 2006
Vamos reencontrar-nos aqui:
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Há nove anos, mais precisamente a 7 de Junho de 1997, a C.Caç 2544 confraternizava no agradável cenário do Moinho do Rouco, restaurante da proximidasde das Cortes, freguesia de Leiria onde Mário Soares remodelou a casa de seu pai, cujo nome atribuíu à Fundação João Soares. A razão desta menção perceber-se-á aquando da leitura do texto seguinte. Foi escrito na altura, pelo coordenador deste blog, a pedido da Redacção do Jornal das Cortes, que o publicou a 5 de Maio desse ano e simpaticamente ofereceu um exemplar a cada confraternizante.
Reproduz-se aqui hoje, porque se mantém actual.
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Foram à guerra, regressaram todos
- e confraternizam nas Cortes
Quase três décadas* depois, a Companhia de Caçadores 2544 vai reunir-se mais uma vez para recordar antigas juventudes deambuladas pelo leste de Angola (e um pouco pelo norte).
São antigos militares (hoje todos na casa dos quarenta e muitos; o autor destas linhas, que é um deles, vai nos quarenta e onze...*) originários dos 44 cantos de Portugal, que convergirão nas Cortes, no próximo dia 7 de Junho*, para renovar abraços e recordações. A "coisa" decorrerá no Moinho do Rouco, com oportunidade para molhar os pés no Lis enquanto se almoça. (Aqueles que trouxerem condutora, poderão molhar os pés mais à vontade...)
Além dos comes e bebes (pela medida grande...) haverá também uma visita à Casa-Museu João Soares.* Aliás, o Moinho do Rouco tem sido cenário para outras confraternizações similares, sendo do nosso conhecimento que, não há muito,* um desses grupos ali encontrou, por casualidade, o dr. Mário Soares e esposa, que se prestaram a acamaradar uns minutos com os ex-combatentes, sendo fotografados com eles.
Que importância tem isto? Esta: nos anos 60, o dr. Mário Soares foi um determinado lutador anti-colonialista, verberando as injustiças das guerras que travávamos, incansável caminhante das rotas da Europa, por onde viandava com o propósito da denúncia. Porém, hoje,* não se importa de fazer pose para a posteridade que as máquinas fotográficas perenizam, de braço dado com os agentes da guerra que ele tão afincadamente combateu. Porque assume (temos todos de assumir) que os "heroismos do colonialismo, não obstante lamentáveis, são factos da nossa história, equívocos que nos impuseram, realidades de que não temos de nos envergonhar.
Há dias, Carlos Fernandes (fundador do Jornal das Cortes) lamentava que os antigos combatentes de África (designadamente alguns convidados por si) tenham pudor em escrever as suas recordações dos tempos da guerrilha. Serão traumas que o tempo não apagará facilmente, será a inibição determinada por um sentimento de culpa por uma situação que, hoje, se sabe ter sido injusta.
Muitos de nós, que por lá passámos (afinal, quase todos os da minha geração), não fomos formados e informados no sentido de poder entender a injustiça (a ilicitude) da nossa presença possessiva em África. Fomos, bem pelo contrário, industriados na cultura de um nacionalismo pluri-continental desenvolvido por uma dita super-nação chamada Portugal, cuja propalada superioridade não era fácil contestar, quando a maioria da nossa população vivia pacatamente a sua vida rural, sem grande acesso às fontes informativas, aliás acauteladas pelos serviços de Censura, acolitada por um diligente Secretariado Nacional de Informação (SNI).
Foi no próprio teatro das operações que muitos de nós intuímos quão injusta era a nossa presença lá. Ali melhor se compreendia que aquela terra não era nossa. Grandes fronteiras a separavam do nosso chão pátrio: o oceano, a cultura, a própria cor da pepe. Iguais, mas diferentes. Porque, quer queiramos quer não, há fronteiras! Por muitas estrelas que se pintem numa bandeira.
Muitas Companhias de antigos militares se reunem periodicamente nestas confraternizações. Outras nunca o fizeram. Seria curioso averiguar se, para uma situação e outra, não haverá um motivo determinante, porventura assente em comportamentos colectivos que tenham acarretado - mais para uns grupos do que para outros - um traumático sentimento de culpa, inibidor do cariz de festa que estas reuniões comportam. Talvez para alguns seja doloroso recordar.
Não é o caso da CCaç 2544, que habitualmente se reune algures, desta vez nas Cortes. Trata-se de uma unidade que veio tão una como foi: sem mortos, nem feridos. Não obstante ter ido render camaradas numa zona de conhecido belicismo, assinalado com onze mortes na Companhia precedente, que também teve ferimentos em mais de metade do seu efectivo. Números assustadores, para quem chegava. Que, felizmente, não se repetiram. Mérito do comandante da nossa Companhia, capitão miliciano, de Setúbal, apanhado na curva da vida para uma prestação militar obrigatória, que soube desempenhar com inteligente civismo, bifurcado em dois sentidos: a dignidade e a vida dos seus homens, idem das populações nativas.
José Oliveira
*Escrito em 1997
sexta-feira, agosto 18, 2006
Lumege, capital provincial por um dia
É no município do Lumege-Cameia que vão decorrer as comemorações provinciais do 31º aniversário da independência nacional de Angola, a 11 de Novembro.
A notícia, que tem data de ontem e é hoje divulgada pelo jornal virtual AngolaPress, acrescenta que da reunião do Conselho da Província doMoxico saíu também a decisão de orientar as equipas de desminagem no sentido de priorizarem o troço ferroviário que liga a cidade do Luena (ex Luso) ao Kuito (Bié). Isso visa facilitar os trabalhos de reabilitação do caminho-de-ferro de Benguela (CFB), que decorrem desde o princípio de 2006, a cargo de uma empresa Chinesa chamada "CR20".
Prevê-se para Novembro próximo, o início das obras de recuperação do CFB na província do Moxico.
domingo, agosto 06, 2006
É já no próximo dia 2, um sábado, que nos reuniremos mais uma vez para celebrar uma amizade que nos une desde os tempos da juventude e nasceu em circunstâncias que não desejámos mas cumprimos, como tinha de ser.
Para a maioria de nós, é a segunda vez que confraternizamos neste local. O cenáruio é convidativo, portanto quem veio da outra vez, voltará de certeza agora. E quem vier pela primeira vez, compreenderá porque digo isto.
O nosso encontro decorrerá num local que tem mais de seiscentos anos de história, no cenário encantador das margens do rio Lis, num espaço que é o aproveitamento escrupuloso de um moinho de água, que continua a fazer farinha em plena sala de refeições, movido pelas águas do rio Lis.
Para saber mais acerca deste paradisíaco local, basta ler as linhas seguintes:
Notícia histórica sobre o
Moinho do Rouco
A notícia histórica mais antiga sobre o Moinho do Rouco remonta a 24 .XI.1364. Nesta data, o rei D. Pedro fez doação a Afonso Esteves , amoxarife de Leiria, “emquanto fose de sua mercê” de metade de “huum moynho que o dicto senhor há a que chamam do Rouco que he na Ribeira das cortes”. Existia pois já antes desse ano. O seu nome, mais usualmente grafado Rouco, mas por vezes também “Ronco” e “Rouco” parece significar um antigo apelido ou alcunha. Já as duas outras versões poderão ser interpretadas como significando, respectivamente, “terra recentemente desbravada” e “sulco em pedra acima do nível do solo”.
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A existência doutros moinhos de água nas imediações das Cortes atesta-se apenas no século XIV. Entre eles documentam-se as moendas da Reixida Cavaleira (1344), do Leal (1383) e da Recura (1385). A actividade moageia na área desta freguesia, contudo, deve remontar à primeira metade do século XIII, época em que se intensificou a exploração agrícola na área peri-urbana de Leiria, assistindo-se ao surgimento de novos focos e povoamento (casais, granjas e aldeias). Cortes afirmou-se como uma das mais prósperas fundações.
...controlo dos impostos
De início, Leiria procurou manter junto do castelo citadino todas as estruturas agro-moageiras disponíveis. Obtinha-se assim um controle mais apertado da sua laboração, ao mesmo tempo que se garantia uma colecta de impostos sobre os farináceos rapidamente vendidos no mercado local.
Maioria dos moinhos era da coroa
Os esforços da colonização da bacia hidrográfica do rio Lis traduziram-se pela predominância das culturas cerealíferas, silvícola e vinícola associadas, em menor escala à frutícola e à produção de azeite. O povoamento do termo acabou por impor uma Maior distribuição dos engenhos moageiros por todo o território, garantindo o abastecimento dos mercados aldeãos e permitindo, ainda, escoar as produções das herdades com vista à sua distribuição nos mercados consumidores.
A coroa real teve um papel motor neste processo. De facto, a maior parte dos moinhos de água do curso do Lis pertenciam-lhe. O caso das Cortes é significativo, porquanto permite verificar esta leitura histórica.
Cobrança de impostos no cerne da questão
A doação de metade do Moinho do Rouco ao almoxarife leiriense, em 1364, procuraria não só premiar um oficial dedicado à recolha do fisco régio, como também garantir uma maior vigilância sobre a produtividade daquele estabelecimento moageiro.
Moinho de rodízio
É possível que, já na Idade Média, o Moinho do Rouco possuísse quatro mós, movidas através do recurso a rodízios de penas. A força hidráulica que os fazia rodar obtinha-se a partir duma pequena represa das águas do Lis. Esta abastecia quatro levadas ou condutas que embocavam em cubos e sèteitas donde a água era ejectada com grande pressão contra as penas, fazendo movimentar a péla ou árvore e elementos associads (lobete, veio, segurelha e mó). Do ponto de vista arquitectónico, o Moinho do Rouco filia-se na tipologia dos moinhos de rodízio mais frequentes no sul de Portugal, em zonas fortemente urbanizadas e com mercados consumidores fortes, revestindo “a forma de grandes instalações, de construção cuidada, e com várias moendas”.
Indústria uni-familiar
O trabalho nestas quatro mós era garantido por uma só família nuclear, que residia no local, posto que a manutenção desta estrutura para-industrial exigisse despesas substanciais. Na segunda metade de Oitocentos o Moinho foi adquirido pela família Charters de Azevedo.
A história contemporânea do Moinho do Rouco apresenta-o como pólo de progresso industrial. Em meados do século XX, o Moinho produzia energia eléctrica suficiente para a iluminação do local. Após um período de decadência, que levou à paralização da sua actividade moageira na década de 1970, esta unidade seria recuperada como restaurante e local turístico. Alia-se, assim, a uma envolvência natural, de extrema beleza, a uma ambiência histórica dum moinho régio com mais de seiscentos anos de história.
Saul Gomes
(Historiador – Professor da Universidade de Coimbra)
Inter-títulos da responsabilidade do blog 'Lumege'